quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Uma carta para Nina



Nina,

Essa manhã, ainda na cama, li o seu texto As tais polêmicas feministas do Brasil (o que me interessa, o que não me interessa). E na hora que li, quis comentá-lo. Mas sabe como é, tinha que preparar o café, tomar banho, trabalhar, tocar a vida. E enquanto eu tomava meu café, esperava o metrô, comia meu almoço, fui pensando no que eu queria te dizer. E vi que era grande demais para um comentário. Daí, resolvi te escrever essa carta.

Pô, Nina, você tá querendo debater o feminismo num nível muito raso. E tá levando a parada pra um lado muito pessoal. Assim fica difícil, sabe.

Não, ninguém tá apontando o dedo pra homens que elogiam mulheres não. Ninguém tá preocupado com brincadeirinhas entre amigos, com elogios. Não é isso que interessa. O que se questiona é o quanto a nossa sociedade machista é permissiva com o homem, que se acha no direito de, a qualquer momento, se dirigir a alguma mulher, proferindo a vontade de fodê-la. E muitas vezes isso é feito de forma amendrontadora. E em outras, não apenas dando vazão ao seu desejo em palavras como também tentando realizá-lo, queira a mulher ou não. Bem, eu duvido que você faça isso. Que você vá na rua, aborde um desconhecido, o chamando de gostoso, lance um olhar de que vai comê-lo, salivando para ele. Você faz isso? Se você fizer, você é tão sexista quanto os homens que fazem. E nem as feministas engraçadas, como você qualificou, vão te aplaudir.Sabe a pesquisa Chega de Fiu-fiu? Então, 8 mil mulheres foram entrevistadas. Não foi um estudo feito por feministas, com feministas, para feministas. Não é coisa de feminista chata não. É real, mulheres se ofendem com cantadas de homens desconhecidos, com as grosserias que ouvem cotidianamente.

Ninguém também tá preocupado se você chama ou não seus amigos de gostosos. Isso é legal, não é a isso que feministas se referem. Feministas se preocupam com meninas como as que foram estupradas coletivamente pela banda New Hit. Você conhece essa história, né? Enquanto a banda continuou fazendo shows, as meninas ficaram sofrendo uma espécie de exílio, vivendo escondidas, longe de suas famílias. Sim, os seus amigos, para os quais você grita “gostoso” fazem isso com você. Por isso, feministas não se incomodam com sua relação com eles. Mas se algum dia, algum deles fizer, aí sim, aí as feministas também vão se preocupar com você.

É, você pode pensar que não, mas feministas são como você, também não se incomodam com gentileza. Ele pagou a conta hoje, você paga amanhã. Quem pode ser contra isso? Isso é gentileza. E gentileza gera gentileza, já dizia o profeta, e a Marisa Monte canta. Cavalheirismo, esse que feministas engraçadas atacam, é aquele no qual o homem não aceita de forma alguma que a mulher pague a conta. É aquele que o mocinho paga o seu motel e acha que pode fazer o que quiser com você. É isso que o feminismo ataca. São casos como o da Fran, esse você também deve ter ouvido falar. A menina que ficou famosa porque o parceiro dela resolveu divulgar um vídeo deles transando. A menina que perdeu o emprego e não pode mais andar sossegada pela rua, é com essa menina que o feminismo tá preocupado.

O feminismo se preocupa comigo que um dia abri a porta de casa pro meu chefe. Não, eu nunca dei meu endereço a ele. Mas ele era meu chefe, e tinha uma tabelinha com endereços e telefones de todos funcionários. Ele foi à minha casa e interfonou dizendo que era um assunto de trabalho. Não vou te contar o que ele fez,mas quando ele foi embora, eu senti que minha dignidade foi junto. Tomei um banho e só me restou a culpa e a vergonha. E quando eu o denunciei, não acreditaram em mim. “Ele é um cara tão legal.” Bem, pelo menos ele não é mais meu chefe. Mas, ainda hoje, não posso vê-lo sem sentir ânsia de vômito, sem perder o ar,  sem sentir medo.

Sabe, Nina, muita gente se pergunta porque as meninas entraram naquele ônibus do New Hit, porque a Fran se deixou filmar, porque eu abri a porta da minha casa. Mas essas perguntas e dúvidas nunca vêm de uma feminista. Feministas nos acolhem, não desse jeito marrento que parecem ter, mas com muito carinho e atenção. A primeira coisa que interessa a feministas não é o homem que fez isso, mas a mulher que tá machucada até a alma. Feministas cuidam da gente, tiram nossa culpa (sim, todas sentimos culpa mesmo não tendo, porque fomos educadas em uma sociedade machista), lavam nossa alma, aliviam nossas feridas. Só depois que procuram os homens que fizeram isso. E sempre respeitam nossa vontade, que seja até mesmo nos calar, porque o caminho de quem resolve falar é longo e tortuoso. E a decisão de escolhê-lo ou não é sempre da mulher que foi vítima. Feministas, ao contrário do que possa parecer, nunca tiram das mulheres a possibilidade de escolha. 

Então, Nina, feministas,  assim como você, se preocupam com a imagem da mulher na televisão e com a situação da mulher pobre, mas também se preocupam em descobrir o nome e o rosto de cada mulher que foi vítima do machismo, independente da ofensa, independente da classe, independente da idade. Feministas se preocupam em cuidar da dor dessas mulheres e de empoderá-las. É muito bom saber que você já é empoderada o bastante para não precisar ouvir feministas, mas não duvide e não simplifique o feminismo. E para as mulheres feministas, não somos nós feministas e vocês outras mulheres, somos nós mulheres. Até mesmo você que as acha tão engraçadas.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

meu roommate


Minha petite maison é pequenina mesmo E sou só eu e esses cantinhos. Aqui dentro, o mundo é meu. Sou eu que fantasio, construo, bagunço, organizo, sonho, choro, sofro, me alegro, me viro e desviro do avesso. Assim, sozinha. E agora, tenho que anunciar, não estou mais sozinha. A petite maison tem mais um morador, e eu, um roommate. Pensei muito antes de aceitar essa proposta. Mas, enfim, resolvi experimentar. E olha, esse roommate é um tanto abusado, tenho que dizer. De manhã, ele me acorda. Mesmo que eu esteja muito sonolenta, ele insiste que eu levante e não me deixa dormir de novo de forma alguma. Vou, me arrastando, colocar comida pra ele, porque o bonitão depende de mim até pra isso. Depois de colocar a comida dele, tento dormir de novo. Aí ele insiste em não me deixar dormir, reclamando que quer minha companhia enquanto come. Levanto e vou ao banheiro, fecho a porta, mas ele entra e fica olhando pra mim e reclamando que está com sede. Escovo os dentes enquanto ele fica tentando beber a água da torneira. Sim, ele não é muito civilizado. Até água preciso arranjar pra ele. Vou até a cozinha e arrumo a água pra ele. Então, começo a fazer meu café: coloco água e café na cafeteira, peneiro minha tapioca e corto meu queijo. Aí, meu breve momento de paz acaba. Ele volta a resmungar e só se dá por satisfeito quando corto um pedaço de queijo e dou na boca dele. Isso, na boca dele! Tomo meu café, enquanto ele fica na varanda, olhando a paisagem. Depois do café, vou tomar banho. Estou lá, debaixo do chuveiro, quando me dou conta que meu roommate está sentado na máquina de lavar (sim, a máquina de lavar fica no banheiro, a casa é pequena, não duvide). Saio do banho e vou me vestir, quando olho ele já tá enfiado entre meus vestidos, como se quisesse escolher a roupa que vou usar. Escolho a roupa e coloco na cama. Ele, abusado que só, deita na roupa. Tenho que expulsá-lo. Termino de me arrumar, procuro minha bolsa e já acho ele com o carão lá dentro, fuçando sei lá o que. Pego minha bolsa, me despeço dele e saio de casa. Mas tenho que confessar, mesmo com todo esse abuso, não me arrependi nem por um minuto de ter resolvido dividir minha petite maison. Toda noite, quando eu chego em casa, ele está sempre na porta me esperando, se enrosca em mim, pede colo e me dá lambidinhas. E a cada gracinha e a cada miado que ele dá, meu coração derrete. Um roommate felino é uma experiência deliciosa e querida de se ter.