segunda-feira, 19 de agosto de 2013

A onça pelada e o boi que se chamava Aniversário





Quando eu era criança eu conheci uma onça sem pele e um touro que confundiu leite com pimenta.

Com a onça, aconteceu assim: Um menino, quase rapaz, saiu pra caçar passarinhos. Esse mesmo menino havia encontrado, uns dias antes, uma espingarda. Não me pergunte como nem onde, porque disso eu nada sei. O que eu sei é que o menino tinha espingarda mas não tinha munição. Inventivo que era, o menino mexeu tanto que fez com que a espingarda cuspisse pregos em vez de balas. Não sei qual era o nome dessa engenhoca, mas acho que deveria se chamar espinprega. Pra sua intenção, que era caçar pásssaros, a espinprega dava conta do recado. Então esse mocinho foi andando, e distraído com os passarinhos, foi se embrenhando cada vez mais na mata. Até que ele viu uma onça. Ela tava ali, bem pertinho, de costas pro menino, mas dava pra ver muito bem o seu rabo. Ele nem quis dar a chance dela virar, empunhou a espinprega e lançou um prego na direção da danada. Foi certeiro, agarrou bem no rabo dela. A bichinha, com o susto, saiu correndo. Mas a pele dela ficou, presa no prego, caída na mata.

Já com o touro foi uma outra história. Uma família criava um bezerrinho dentro de casa. Tratava com muito carinho, como um bebê. E até davam leitinho quente na mamadeira pra ele. Mas o bezerro foi crescendo, crescendo e virou um touro. E esse touro não cabia  dentro da casa. Era assim: quando ele entrava na casa, o resto da família tinha que sair e vice-versa. Já estava ficando muito cansativo esse revezamento, e a família teve que levar o touro para uma fazenda bem, bem, bem longe. O touro se debulhou em lágrimas quando viu que não voltaria para casa com a sua família. Depois das despedidas, ele até que tentou ser um touro de fazenda. Pastou, fez cara de mau, deu coices, berrou. Mas nada adiantava, ele sentia muita saudade. Um dia, ele resolveu fugir. E andou muito, muito mesmo até encontrar a sua casa. No momento em que avistou sua velha casinha, ele ficou tão feliz que saiu correndo, abriu a porta da cozinha e foi entrando. Viu uma garrafinha em cima da mesa e lembrou de como era gostoso tomar mamadeira quando era um bezerrinho. Ele abocanhou com vontade aquela garrafa, e virou, bebendo tudo de um gole. Só que a garrafa não tinha leite, tinha era pimenta!!  E depois de mamar a pimenta, o boi saiu correndo. Dizem que corre até hoje. O nome desse boi é Aniversário.





Essas histórias eu conheço desde pequenininha. E quem me contou foi meu Tio Juca. Esse que tá ai na foto, fazendo pose de galã na casa em que a gente morava. Hoje, dia 19 de agosto, seria o aniversário dele. Não sei quantos anos ele faria, só sei que a saudade dele nunca acaba de tão grande que é.

sábado, 17 de agosto de 2013

Um final de semana longe dele


Eu devia ter desconfiado quando ele não me acordou na hora combinada. Há dias, ele vinha dando sinais de cansaço e eu não dava muita atenção. Refletindo agora, percebo o quanto ele precisava de um tempo. Eu andava muito ocupada, o dia inteiro fazendo ligações, algumas até internacionais, mandando mensagens, vendo emails, checando facebook, postando no instangram, distraída com o pinterest. Enquanto eu ficava imersa nesse mundo virtual, não  consegui perceber o quanto ele estava cansado, precisando mesmo recarregar suas baterias, e talvez só conseguisse isso se diantanciando de mim e da minha agitação. Bem, algum dia ele ia me mostrar com mais veemência o quanto precisava desse descanso.E ele escolheu hoje. Começou não me acordando na hora combinada. Mas eu, claro, não dei atenção a essa desatenção dele. Cheguei no aeroporto, atrasada claro, e vi que meu vôo já estava na última  chamada. Enquanto tentava passar no raio x, ouvia meu nome ser anunciado, e a segurança insistindo que eu ficasse descalça. Consegui convencê-la que não havia nenhum micro pedaço de metal na minha bota. Mas tive que tirar o cinto. E o casaco. Passei, a bota não apitou, peguei minha mala, minha mochila, meu casaco, minha sacolinha de lanchinhos saudáveis  (#rejanevitaminada) e meu cinto, claro. Nem olhei pra trás, só corri, corri e corri. Duas despachantes me aguardavam. Uma sorridente, elogiou minha mala. A outra, irritada, perguntou pela minha identidade.  Pedi que ela pegasse meu RG na carteira - eu não tinha mãos suficientes. Acho que esse favorzinho a irritou mais ainda. Enfim, entrei no avião, encontrei meu assento, coloquei a mala no compartimento de cima, sentei...ufa! Foi aí que dei pela falta dele. Cadê? Ué? Meu Deus!! Eu vim e ele ficou preso no raio x!!! Levantei atropelando meus vizinhos de fileira e corri esbaforida para falar com a aeromoça. Ela me orientou a falar com a despachante que estava na porta do avião. Claro que era a irritada em vez de ser a sorridente adoradora de mala. Só de me ver, parece que o nível de irritação dela aumentou mais um pouco. Quando contei meu problema, ela não se conteve, me empurrou para dentro do avião, falando que a porta já ia fechar e o vôo decolar. Não me restava nada a fazer, tentaria descobrir o que aconteceu quando desembarcasse em São Paulo. Ao chegar no Aeroporto de Congonhas, fui direto ao posto da Infraero e o funcionário entrou em contato com o aeroporto Santos Dumont. Sim, aconteceu, ele não embarcou porque ficou no raio x.Passaremos o final de semana separados. Acho que será bom para nós dois, ambos descansaremos. Mas eu tenho certeza que não fui eu que deixei meu celular na bandeja. Foi o celular que quis ficar.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Três filmes, três cenas, a mesma lógica



Cena 1

Diálogo entre três adolescentes meninas

Adolescente 1: Porque você transou no primeiro encontro?
Adolescente 2: Porque eu estava bêbada
Adolescente 3: Isso não justifica
Adolescente 1: E porque você deixou ele filmar com o celular?
Adolescente 2: Eu não sabia que ele ia espalhar para toda a escola
Adolescente 3: Você achou que ele faria o que?

Cena 2 

Diálogo entre um casal de namorados

Namorado: Você engravidou porque quis. Você toma pílula e não devia ter engravidado.
Namorada: Eu tomo pílula porque você não quer usar camisinha!


Cena 3

Uma noiva e sua amiga conversando minutos antes do casamento

Amiga:Como você pode casar com ele sabendo que ele a traiu.
Noiva: Ele não me traiu, quem me traiu foi você.

Foi um daqueles dias, em que passei horas morgada na frente da televisão.Fucei o acervo do netflix, bem condizente com sua mensalidade de 15 reais.  Assisti a três filmes aleatoriamente. E, surpreendentemente (ou não), os três mostraram a mesma lógica perversa: não importa o que aconteça, é sempre a mulher que erra, que provoca, que pisa na bola, que faz merda!

No filme da cena 1, após ter sua privacidade devassada na escola, uma adolescente passa a sofrer bulling e agressões sexuais de todos da sua turma. Meninos e meninas. Por outro lado, o garoto, que filmou a relação sexual que teve com a menina, é admirado por todos. As meninas querem ficar com ele e ao mesmo tempo maltratam a garota. Os meninos exaltam seu espírito garanhão e se sentem no direito de abusar sexualmente da menina.

No filme 2, a garota quer abortar e o namorado é contra. Seu argumento é que ela engravidou porque quis, pois a responsabilidade de tomar pílula era dela. Ela chama a atenção de que usava pílula porque ele não queria usar camisinha - ou seja, os dois fizeram um pacto sobre o método anticoncepcional. Mas ele parece não ouví-la e a força a mostrar sua cartela de pílulas para conferir quantas vezes ela deixou de tomar

Já no filme 3, o noivo foi namorado da amiga, antes de namorar a noiva. Mas aconteceu aquela velha história, terminou com uma, mas ficou com as duas. A noiva considerou isso uma traição, não do seu futuro marido, mas da sua amiga.

São filmes de países diferentes e os personagens dos três filmes são de classe média e alta. De todos os três, o primeiro me pareceu o mais crítico e o último totalmente acrítico.Eles retratam situações bem reais: a adolescente que é culpabilizada por ser vítima de violência, a mulher responsabilizada pela gravidez indesejada e questionada no seu direito de abortar, a raiva da mulher traída se vira contra a outra mulher e não contra o homem. O que mais me impressionou é que eu não estava procurando filmes que tivessem o machismo como tema. Eu estava só querendo passar um dia estatelada no sofá em frente à TV.


Filme 1: Despues de Lucia (México, 2012/ Direção: Michel Franco)
Filme 2 : La espera (Chile, 2011/ Direção: Francisca Fuenzalida)
Filme 3: O casamento do meu ex (EUA, 2010/ Direção: Galt Niederhoffer)

terça-feira, 13 de agosto de 2013

o menino que colecionava apelidos


De bebê era chamado cabeça de bolinha
Em menino, virou o poetinha
Inventava aventuras e caraminholas 
à vida festejava e ao mundo encantava

E o poetinha foi crescendo
ganhando barba, bigode
e tudo que vem no pacote
mas menino continuou sendo

muita gente foi se encantando
e mais apelidos o menino foi ganhando
ora guido, ora marquitos
ora jambo, ora quito

um dia, esse rapaz estava bem longe de casa
e da bicicleta caiu
o mundo se assustou
porque o menino dormiu

por uns dias o tempo parou,
os corações aceleraram,
o mundo ficou desbotado,
a vida meio desencantada

até que o menino acordou
o relógio tomou seu rumo
os corações acalmaram
e a vida?
ah, como o menino disse:
a vida tá de parabéns!!!

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

meu pai

pra lembrar do meu pai
acreditava em ets, tossia, passeava pela rua de pijama, roubava meu chocolate, dizia que os bebês nasciam depois da barraca de peixe, jogava paciência, ouvia valsa, ópera e pagode, assistia filmes de faroeste e suspense, lia ficção científica e romances de cavalaria, votava no Brizola, chorava de saudades do cachorro, cuidava dos enterros da família, comprava uísque mas bebia guaraná, usava gravata escondida no bolso, só comia a parte de creme do sorvete napolitano, gargalhava com os irmãos até chorar, falava "bicho", comia cavaca, me trazia balas, se orgulhava dos filhos.