quarta-feira, 20 de agosto de 2014

À deriva (areia e neblina)


Eu não sei como começou ou se tem um início. Mas o que me chamava atenção era a ausência de apetite. Não sentia mais fome, e não conseguia saber quando precisava repor energia. Claro que, nesse quesito, as convenções sociais ajudavam. Almoçar era um evento puramente social. Saía para almoçar e até comia. Mas, com o tempo, comer ficou difícil e se tornou um tormento. Comer um biscoito de cream cracker no café da manhã era quase insuportável, como comer areia (um biscoito mesmo, não um pacote). E só o fazia porque sabia que precisava. Nos almoços, só comia 10%, 20% de um prato. Por mais que eu tentasse, não conseguia. E me sentia envergonhada. Não conseguia mais que os almoços fossem aquele momento de descontração no meio do expediente. Era doloroso não conseguir compartilhar com os outros a alegria de comer, a ânsia por saciedade. Tinha que enfrentar os olhares de indignação dos garçons e a inevitável pergunta dos gerentes: havia alguma coisa no prato que a desagradou? Eu definhava e todos elogiavam a minha magreza. A cada elogio, era como um aviso sonoro, um tormento: você não está bem!


Meu corpo não pedia comida, meu corpo não pedia descanso. Sempre dormi pouco. Seis horas de sono eram suficientes, às vezes até cinco. Tenho insônia desde os quinze anos. Acordava no meio da noite e disputava a TV com meu pai, sempre insone. Mas isso não me incomodava. Até que passei de uma insônia intermitente para uma insônia permanente. Não dormia mais, meu dia durava umas vinte e duas horas. E eu nem me dava conta. Só percebi ser uma insone constante ao constatar que assisti a duas temporadas de Lost em cinco noites, e trabalhando durante o dia. Era o sol que nunca se punha, e eu sempre alerta. Como um náufrago à espera de um salva vidas. E foi a minha primeira ida ao psiquiatra.


Um comentário:

  1. vontade de comer paredes, de sair correndo feito louca, de gritar com os alunos. exercício a noite agrava insônia, dormir a tarde altera humor, deitar antes das 3 provoca falta de ar e pânico de morte. trazodona pra dormir, fluoxetina para acordar. breves taquicardias. outro terapeuta, mais uma vez costurar a infância. internet televisão internet televisão internet televisão. saudades, muito frio, falta de vitamina d. fantasmas aos fins de semana, domingo inteiro sem falar. alívio nas manhãs de segunda. dormir dormir dormir dormir. são ondas. passam. até o próximo desafio.

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Obrigada pela visitinha à minha petite maison :)