segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Sobre a Dilma, o Darcy Ribeiro e o meu pai

Ontem, mesmo dia em que Dilma foi reeleita, Darcy Ribeiro completaria 92 anos. Darcy Ribeiro foi uma figura muito presente na minha infância. Quando eu era criança, eu não sabia que ele era um antropólogo renomado. Na verdade, nem sabia o que era um antropólogo. Mas eu sabia que o Darcy era o idealizador dos cieps. Na minha casa, tinha um livro sobre o projeto que ele tinha para a educação. Eu achava as fotos do livro lindas. Eram fotos do CIEP da Glória, que foi o primeiro ciep criado, era o CIEP modelo.

Nessa época, eu havia mudado de escola. Eu estava na quarta série e meus pais me tiraram da escola municipal que eu estudei desde o jardim de infância e me colocaram numa escolinha particular. Eles estavam preocupados com a violência que estava aumentando. Eu tinha nove anos, era uma menina tímida e assustada. Meus irmãos já estavam estudando no Colégio Pedro II e eu ficara sozinha na Jean Mermoz. Naquele ano, fui apenas um dia à aula na rede municipal  Eu havia sido colocada no turno da noite e numa turma enorme. Minha mãe achou que eu não aguentaria. E eu também acho que não. Foi aí que mudei de escola pela primeira vez.

Nesse mesmo ano,  Darcy Ribeiro foi candidato a governador. O opositor dele era o Moreira Franco. Meu pai trouxe muitos adesivos e bandeirinhas do Darcy e nós enfeitamos toda a casa. Colamos adesivos nas portas e janelas. E enfeitamos todo o quintal. Até hoje lembro da música da campanha:  "É Darcy Ribeiro pra governador, o Rio de Janeiro vota nele sim, senhor. Quero o meu, quero mais. O que é bom pro povo, o Darcy Ribeiro faz".

Na escolinha que eu estudava, todos eram partidários do Moreira. Até minha professora, que também era diretora e dona da escola. Eu, tímida que era, assistia a tudo calada. Nós, as crianças, não entendíamos nada de política, claro. Apenas repetíamos os discursos e argumentos ouvidos nas nossas casas. Eu nada falava, mas quando me perguntavam alguma coisa, também não mentia. E respondia que meu pai era brizolista, sabendo o que aquilo significava. A resposta sempre vinha na lata: como seu pai pode confiar em um homem que fugiu do Brasil vestido de mulher?

As eleições não eram eletrônicas e a apuração era feita no braço, demorava dias. E meu pai ficou sabendo que Darcy havia perdido a eleição enquanto me levava para a aula. Estávamos a poucos metros da escola, passando em frente à casa de um menino da minha turma, quando a mãe dele saiu gritando e comemorando que o Moreira era o novo governador. Aquele dia foi triste. Mesmo não entendendo nada de política, percebi a frustração do meu pai ao me deixar na escola. E tive, claro, que ouvir meus coleguinhas comemorando a derrota do Darcy. Sim, o Darcy, aquele que andava com o Brizola, que se vestia de mulher.

Mesmo que eu não entendesse de política, eu agradeço ao meu pai por ter a trazido desde cedo pra nossa casa. E agradeço que ele não trouxe a politicagem do preconceito e da calúnia. Inclusive, todas as vezes que perguntei ao meu pai se o Brizola realmente havia se vestido de mulher, ele nunca entrou no mérito. Isso era totalmente sem importância para ele. E quanto à "fuga", bem desde cedo eu sempre soube que não se tratava disso. Meu pai ajudou a eleger o Lula nos seus dois mandatos. E ajudou a eleger a Dilma em 2010. Mas, infelizmente, faleceu alguns dias após ela assumir a presidência. Ele não pôde acompanhar o mandato dela, mas eu tenho certeza que ele teria contribuído para sua reeleição. Sei disso porque sei dos princípios que sempre guiaram as escolhas políticas dele. E se hoje tem uma estrela brilhando, um pouco desse brilho pertence a ele.

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Obrigada pela visitinha à minha petite maison :)